Caso Habitantes de La Oroya versus Peru

O Caso Habitantes de La Oroya versus Peru foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 27 de novembro de 2023[1], e o ato de notificação da sentença foi realizado em 22 de março de 2024[2].

Trata-se de um processo em que se discutiu a responsabilidade do Estado peruano pela poluição ambiental da cidade de La Oroya e os danos causados à saúde de oitenta de seus moradores.  O Complexo Metalúrgico de La Oroya (CMLO) foi instalado em 1922, dedicando-se à fundição e refino de metais maléficos para a saúde humana e o meio ambiente, como o cobre e o chumbo. A sentença da Corte destaca que, em 2006, a cidade de La Oroya foi catalogada como uma das 10 mais poluídas do mundo, e que 99% dos poluentes atmosféricos eram gerados pelo complexo metalúrgico[1].

Os magistrados da Corte IDH concluíram que, durante o período em que o CMLO foi uma empresa nacional, o Estado causou diretamente a contaminação; e que, no período em que funcionou como empresa privada, o Estado falhou em seu dever de regulamentar e fiscalizar a atividade, sabidamente poluidora[1].

A sentença reconhece que a contaminação do ar, da água e do solo, em razão da atividade mineradora, ocasionou danos à saúde dos moradores, citando, por exemplo, que o acúmulo de chumbo encontrado no sangue da população era três vezes superior ao limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde. Por isso, a Corte IDH condenou, por maioria, o Estado peruano por violação aos direitos à saúde, à vida e à integridade pessoal das vítimas.

Além disso, a sentença reconhece violações do Estado aos seguintes direitos resguardados pela Convenção Americana sobre Direitos humanos (Pacto de São José da Costa Rica): à obrigação de desenvolvimento progressivo do direito ao meio ambiente saudável; aos direitos das crianças, devido ao impacto diferenciado que a contaminação teve sobre as crianças de La Oroya; ao direito de participação pública das vítimas, pois não foram suficientemente informadas sobre as medidas que afetavam os seus direitos; ao direito à proteção judicial das vítimas, dada a morosidade e inefetividade das decisões judiciais, e a ausência de investigações sobre as ameaças recebidas por aqueles que denunciavam a poluição[1].

Houve divergência interna na Corte quanto à caracterização das violações ao direito à saúde e ao meio ambiente sadio: votaram contra os juízes Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia) e Patricia Pérez Goldberg (Chile)[3].

Os juízes Rodrigo Mudrovitsch (Brasil), Ricardo C. Pérez Manrique (Uruguai) e Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), por sua vez, apresentaram voto separado, a favor da posição vencedora, afirmando que o direito ao meio ambiente saudável “se faz cada vez mais presente no âmbito interamericano, especialmente desde a Opinião Consultiva nº 23 de 2017”[4].

O voto convergente destaca que a sentença inova a jurisprudência da Corte, ao tratar o direito ao meio ambiente sadio e o direito à água como direitos autônomos, tutelados pelo art. 26 da Convenção Americana; e ao abordar o princípio da equidade intergeracional:

140. Em todas as culturas existe preocupação pelas gerações futuras. Assim como recebemos e usufruímos do que nos foi legado pelas gerações anteriores, também existe a preocupação com os nossos filhos e netos. A equidade intergeracional impõe o dever de uso e aproveitamento adequados do meio ambiente para que as gerações futuras tenham um mundo que lhes ofereça oportunidades de desenvolvimento iguais ou maiores do que aquelas em que nos foi dado. Em última análise, assume-se como um guardião da liberdade das gerações futuras, dado que as gerações atuais não podem limitar as opções e oportunidades para satisfazer as necessidades que surgirão mais tarde.[5]

Os três juízes assinalaram ainda que, em matéria ambiental, os Estados têm obrigações de prevenção, de precaução, de cooperação e processuais, estas últimas incluindo acesso à informação, participação política e acesso à justiça[4]. O voto convergente também defendeu que, da interpretação dos artigos 30 a 34 da Carta da OEA, surge para os Estados o dever de promover o desenvolvimento sustentável:

108. Portanto, se o desenvolvimento a que se refere a Carta da OEA deve ser orientado e contribuir para a plena realização da pessoa, é porque esse desenvolvimento deve ser sustentável, duradouro e preocupado com a durabilidade e durabilidade de si mesmo, satisfazendo as necessidades das gerações presentes e futuras. Ou seja: não há plena realização da pessoa humana num ambiente de risco ou onde as perspectivas de sobrevivência e bem-estar não são seguras a médio e longo prazo. Esse é o conceito de desenvolvimento sustentável.[6]

A sentença do Caso Habitantes de La Oroya versus Peru tem sido considerada por especialistas um marco na jurisprudência da Corte Interamericana, representando um significativo avanço em matéria de proteção do meio ambiente[7].

Ver também

Referências

  1. a b c d «Caso habitantes de La Oroya vs Perú - Sentencia de 27 de noviembre de 2023 (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas)» (PDF). Corte Interamericana de Direitos Humanos. Consultado em 1 de setembro de 2024 
  2. «Acto de Notificación de Sentencia en el Caso Comunidad de La Oroya Vs. Perú». Corte IDH. 22 de março de 2024. Consultado em 1 de setembro de 2024 
  3. «Voto parcialmente disidente del Juez Humberto Sierra Porto y de la Jueza Patricia Pérez Goldberg - Caso Habitantes de La Oroya vs. Perú». Corte IDH. 27 de novembro de 2023. Consultado em 1 de setembro de 2024 
  4. a b «Voto Concurrente de los Jueces Ricardo C. Pérez Manrique, Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot y Rodrigo Mudrovitsch - Caso Habitantes de La Oroya vs. Perú». Corte IDH. 27 de novembro de 2023. Consultado em 1 de setembro de 2024 
  5. Idem 4 (p.37)
  6. Idem 4 (p.29)
  7. «Corte IDH condena Peru por danos ao meio ambiente e à saúde de moradores de La Oroya». JOTA. 28 de março de 2024. Consultado em 1 de setembro de 2024 

Ligações externas

  • Humberto Antonio Sierra Porto - https://www.corteidh.or.cr/tablas/jueces/HUSP_PORT.pdf
  • Patricia Pérez Goldberg - https://www.corteidh.or.cr/tablas/jueces/PPG_PORT.pdf
  • Ricardo C. Pérez Manrique - https://www.corteidh.or.cr/tablas/jueces/CV-RCPM-2024-por.pdf
  • Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot - https://www.corteidh.or.cr/sitios/compos14/EFM-en.html