Mala branca

Mala branca é o incentivo em dinheiro fornecido a uma equipe desportiva para vencer uma partida contra uma segunda equipe, de modo que o resultado da partida beneficie uma terceira equipe (geralmente a responsável pelo pagamento).[1] Por isso, a mala branca também é conhecida como “doping financeiro”.[2]

Moralmente condenável no futebol brasileiro, é defendida por algumas partes,[3][4][5][6] como pode ser percebida nas palavras do Pelé:

"É como você dá um incentivo para o aluno tirar uma nota boa. É diferente de você oferecer dinheiro para entregar o jogo, isso sim é um absurdo."[2]

Segundo o presidente do Cruzeiro Esporte Clube, Sérgio Santos Rodrigues,[7] "a mala branca não pode ser considerada indevida porque, além de a conduta não estar expressamente vedada pela lei, não pode ser errado alguém receber um extra para desempenhar sua função melhor. A mala branca é o mesmo que o bicho, só que pago por pessoas diferentes; é um prêmio pelo desempenho dos atletas que, para ganhá-lo, têm que fazer o seu próprio trabalho (ato comissivo)."[8] É o que também entende o advogado e professor universitário Claudio Mikio Suzuki. Para ele, "a chamada 'mala branca' se trata de fato atípico, pois não há como prometer ou garantir a vitória, mas tão somente um empenho maior, para tentar vencer a partida."[9]

Cleyton Silveira, do site consultor jurídico, entende que a mala branca não é ilegal. Para ele, "não existe como você exercer uma influência positiva em um jogo de futebol, de modo que a “mala branca” em nada contribui para o resultado de uma partida. Trata-se apenas de uma “expectativa de direto” condicionada a um resultado de vitória, que é sempre imprevisível. Desse modo, não se esta tratando de uma atitude ilegal, mas sim de um incentivo financeiro para que um atleta desempenhe seu trabalho da melhor forma possível."[10]

Por outro lado, o ex-procurador-geral do STJD, Paulo Schmitt, afirma que não há legalidade na prática da "mala branca", inclusive compara tal conduta como “ato de fraude e corrupção”. Em entrevista ao GloboEsporte.com, o ex-procurador asseverou ser uma distorção tupiniquim acreditar que a conduta é algo comum e permitido no Brasil:[11]

"A manipulação de resultados tem sido uma temática importante para a Escola Nacional de Justiça Desportiva do STJD. Algumas práticas, como mala branca, passam a ideia de algo comum, permitido. Mas é uma distorção tupiniquim da realidade desportiva e do fairplay. Ela ofende princípios básicos de ética e moralidade para prestigiar o poder econômico através de vantagens indevidas"

De acordo com Mauricio Corrêa da Veiga, advogado especialista em direito desportivo, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) - artigos 238, 242 e 243-A do CBJD - e o Estatuto do Torcedor - artigos 41-C e 41-D - vedam a prática da mala branca. Isso significa que se um torcedor oferecer dinheiro para um clube o incentivando a ganhar, já que isso favoreceria seu clube de coração, ele pode ser punido.[12]

A jornalista Cintia Barlem, do GloboEsporte.com, porém, acredita que um jogador não precisa de nenhum incentivo extra para honrar a camisa que veste, considerando a mala branca uma vergonha para quem opta por ela.[13] Cosme Rímoli, do portal R7, diz que a mala branca é revoltante, pois "quem aceita dinheiro de outro clube para ganhar, não poderia também aceitar para perder?"[14]

Paulo Galvão, colunista do site aqui.uai.com.br, lembra que, com o advento das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) no Brasil, essa prática tende a desaparecer, já que as SAFs teriam dificuldades em explicar no balanço anual o pagamento de valor a quem nem é funcionário ou não foi contratado para prestar serviço, ou a quem tem contrato com um rival.[15]

Casos no Brasil

Em 2015, o STJD, apesar de já ter julgado e absolvido alguns processos com este tipo de denúncia, condenou o presidente do River-PI, Elizeu Aguiar (foto), a uma pena de 6 meses e multa de R$ 30mil. O dirigente ofereceu R$ 20 mil para que os jogadores do Interporto-TO, na Série D de 2014, vencessem o Moto Club-MA e, assim, ajudasse diretamente seu clube.[16]

Em outros países

Espanha

Na Espanha, a mala branca é conhecida como maletín, e é tratada juridicamente como corrupção entre indivíduos. Por ser uma prática aparentemente corriqueira no futebol do país[17][18], em 2014, a Associação dos Futebolistas Espanhóis chegou a sugerir a legalização do maletín mas a ideia não foi adiante.[19]

A RFEF (Federação Espanhola de Futebol) prevê suspensão de um a seis meses aos atores, ativos e passivos. Já o Código Penal do país, no entanto, não esclarece a situação.[20]

De acordo com o site espanhol donbalon, o primeiro caso de maletín no futebol espanhol que se tem noticia data da temporada 1947-48, quando o Real Madrid enfrentou a última jornada com claro risco de rebaixamento. À época, o presidente do Real Madrid pagou ao Atlético de Madrid para o ajudar a evitar o rebaixamento à Segunda Divisão. Antonio Pérez Balada, na altura guarda-redes do Atlético de Madrid, reconheceu em uma entrevista dada em 2013 ao jornal AS que “nos pagaram 20 mil euros”.[21]

Um outro caso famoso se deu em 2017, quando nove pessoas - incluindo jogadores - foram presos na "Operação Oikos", que investigou a vitória do Reus Deportiu por 2 a 0 sobre o Real Valladolid. Comprovou-se, à época, que o SAD Huesca pagou um prêmio ao Reus pela vitória, resultado este que ao Huesca se classificar para o playoff de acesso para a Primeira Divisão.

Em Copa do Mundo

Na Copa do Mundo de 1974, para passar para a segunda fase, a Argentina precisava vencer, mas não dependia apenas de si mesma. A Polônia tinha que vencer a Itália, e um empate era suficiente para que as duas seleções europeias passassem para a próxima fase. Isso acabou dando origem a um episódio polêmico de Mala branca de jogadores argentinos a jogadores poloneses.

Héctor Vega Onesime, jornalista argentino da revista El Gráfico, lembrou: “Entrei em contato com um dos jogadores (argentinos) para saber se os dirigentes descobririam como obter garantias de comprometimento total dos poloneses contra a Itália. Ele respondeu que não sabia. Convenci Juvenal e Ricardo Alfieri - seus colegas jornalista e fotógrafo da revista - a irem ao campo de treinamento da Polônia porque o técnico, Kazimierz Gorski, estava dando uma entrevista coletiva. Perguntei a ele: 'Como você vai jogar? Ele respondeu: “Para vencer". Saímos para almoçar e notei que Robert Gadocha, o astro da seleção polonesa, estava lá. Ele estava acompanhado de um jovem que se revelou argentino (Iggy Bocwinski) e gerente em Varsóvia da companhia aérea Pan Am. Ele traduziu minha pergunta: “Como eles vão jogar”, mas a resposta foi bem diferente: “Isso depende dos argentinos” disse Gadocha. Demorei a entender o escopo dessa frase, que me pegou desprevenido. A palavra que ainda gera polêmica e interpretações diferentes surgiu como um fantasma: Mala branca. Decidi dar um passo extremamente arriscado: comunicar a posição polonesa aos jogadores argentinos por telefone. Houve uma oferta e um acordo. Gadocha, seu amigo argentino e Héctor Rial (ex-jogador de futebol argentino, membro da equipe técnica da seleção nacional em 1974) ficaram encarregados da transação. A Polônia cumpriu sua promessa contra a Itália e a Argentina se classificou após vencer o Haiti. Nunca soube o escopo e a intimidade dessa negociação nem o destino do dinheiro.". [22]

Enrique Wolff: “Os poloneses vieram fazer uma oferta e dissemos ‘muito bem’ porque, caso contrário, eles iriam jogar com reservas e tudo o mais. Cada um dos jogadores pagou US$ 1.000. O mais engraçado foi que havia caras que não tinham dinheiro para pagar o que queriam dar para a Polônia e a AFA colocou o dinheiro, mas depois o reduziu dos prêmios”.[23] O dinheiro teria sido dado à esposa do atacante polonês Robert Gadocha por Rubén Ayala. [24]

A Polônia venceu a Itália por 2 a 1 em Stuttgart, enquanto a Argentina, com os mesmos onze titulares da segunda rodada, goleou o Haiti por 4 a 1.

No entanto, ao longo dos anos, a equipe polonesa negou ter recebido o dinheiro. Grzegorz Lato disse que ficou sabendo do caso quando estava no Atlante do México, jogando com o atacante argentino Rubén Ayala entre 1982 e 1984, quando este último lhe perguntou um dia, por curiosidade, “o que vocês fizeram com o dinheiro que lhes demos?”. Zmuda reclamou: “Infelizmente, não recebemos um centavo. No total, o incentivo foi de US$ 25.000. De acordo com Bocwinski, Gadocha ficou 18.000 e Rubén Ayala com o restante.

Iggy Bocwinski contou mais tarde: “Robert (Gadocha) ficou com o dinheiro para ele. Quando lhe entreguei a bolsa, perguntei como ele iria dividir o dinheiro. Então ele disse: 'Quer saber, não conte nada aos rapazes. Nossa estratégia para o jogo contra a Itália era sair e ganhar'. Fiquei muito surpreso com a atitude de Gadocha.[25] Ayala teria confessado a Grzegorz Lato: "Eu tinha que levar algum!".[26]

Ver também

  • Mala preta

Referências

  1. ge.globo.com/ Luis Enrique não crê em mala branca na última rodada: "Boto mão no fogo"
  2. a b ambito-juridico.com.br/ Os aspectos éticos e jurídicos da “mala branca”
  3. Mano Menezes também concorda com a mala branca
  4. Roberto Calros fala sobre a mala branca
  5. Fla desembarca e comenta sobre a mala branca
  6. David Braz diz que aceitaria mala branca para rebaixar Vitória
  7. https://ge.globo.com/futebol/times/cruzeiro/noticia/principal-parceiro-do-cruzeiro-faz-duras-criticas-a-sergio-santos-rodrigues-presidente-do-clube.ghtml
  8. domtotal.com/ Mala branca e mala preta no futebol
  9. claudiosuzuki.jusbrasil.com.br/ Finais do brasileirão: a famosa “mala preta” ou “mala branca” é crime?
  10. conjur.com.br/ Mala branca não é crime, tem muito mais a ver com ética
  11. MartinsTeresina, Por Josiel. «Schmitt: "Punição por mala branca é exemplo contra corrupção no futebol"». globoesporte.com. Consultado em 19 de janeiro de 2021 
  12. uol.com.br/ "Mala branca" de torcedor pode acarretar em punição, inclusive ao Inter
  13. globoesporte.globo.com/ "EE de Bolsa" discute o que é a mala branca, prática comum no Brasileirão
  14. esportes.r7.com/ "Se alguém for dar mala branca, vai confessar, meu irmão?" Perrella
  15. [https://aqui.uai.com.br/esportes/eu-nunca-vi-malas-brancas-ou-de-qualquer-outra-cor-mas-elas-existem/ Eu nunca vi malas brancas ou de qualquer outra cor, mas elas existem
  16. globoesporte.globo.com/ A mala branca vem aí
  17. as.com/ En los últimos 25 años, la Liga ha visto crecer el número de casos de primas a terceros. Las investigaciones no dan resultado (em castelhano)
  18. elconfidencial.com/ La cruda realidad de los maletines: cuando "lo más fácil es cobrar por dejarse ganar" (em castelhano)
  19. espn.com.br/ "Mala branca" no Espanhol é proibida por Lei e dá até prisão
  20. espn.com.br/ "Mala branca" é crime? Na Espanha, sim, e nove são presos por incentivo a outro time para ganhar
  21. donbalon.com/ El Real Madrid de Santiago Bernabéu fue pionero en el uso de los maletines (em castelhano)
  22. «Cuando Argentina incentivó a Polonia en un Mundial para pasar de ronda y la traición de los 25 mil dólares "perdidos"». Tyc Sports. Consultado em 19 de junho de 2024 
  23. «Cuando Argentina incentivó a Polonia en un Mundial para pasar de ronda y la traición de los 25 mil dólares "perdidos"». Tyc Sports. Consultado em 19 de junho de 2024 
  24. «Un hombre con un maletín lleno de dólares y una acusación: el libro que revela nuevos detalles de la incentivación de Argentina a Polonia en el Mundial 74». Infobae. Consultado em 19 de junho de 2024 
  25. «Cuando Argentina incentivó a Polonia en un Mundial para pasar de ronda y la traición de los 25 mil dólares "perdidos"». Tyc Sports. Consultado em 19 de junho de 2024 
  26. «Un hombre con un maletín lleno de dólares y una acusación: el libro que revela nuevos detalles de la incentivación de Argentina a Polonia en el Mundial 74». Infobae. Consultado em 19 de junho de 2024 

Ligações externas

  • globoesporte.globo.com/ Arquivos da mala branca: saiba como funciona o doping financeiro
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